Ruas e fachadas na Lapa carioca

(Português)

Este paper busca elaborar algumas questões sobre o trabalho de campo realizado no bairro da Lapa, na região central do Rio de Janeiro, Brasil. Das inúmeras Lapas que cabem na Lapa que pude acessar enquanto morador-pesquisador, foi possível percorrer um mosaico composto por práticas e dinâmicas urbanas que coexistem, resistem e se reinventam em múltiplos modos de fazer a cidade. Assim, as tramas da vida citadina foram pensadas pela perspectiva de seus usuários e dos conflitos e contradições que se expressam em relações que refletem, como visto, marcadores sociais das diferenças presentes na experiência urbana contemporânea. Apresenta-se, portanto, uma cidade encarada para além de sua estrutura física, suas fachadas e de seus alicerces institucionais, no entanto, apreendida por meio de seus profusos vínculos e redes compartilhadas, encarnadas e incorporadas no dia a dia da vida urbana.
Ao percorrer a Lapa e os debates que se desdobraram acerca das suas projeções e formas de uso, este trabalho apresenta apontamentos que buscam traçar um panorama em recortes, que, nos termos de Walter Benjamin (2013), se opõem a busca por uma pretensa compreensão totalizante e homogênea da cidade e seu mito fundador único. Todavia, abre-se caminho para uma cidade observada e vivida entre passagens e permanências, onde se tornaram possíveis percepções sobre a coexistência entre seu passado e seu presente, suas ruínas e seus holofotes, suas ameaças de apagamento e processos de valorizações seletivas, bem como suas lutas por direito à cidade e à memória.
Por essa direção, a Lapa carioca pôde ser tomada enquanto um arquivo vivo e dinâmico, onde descortinaram-se relações entre habitantes da cidade, representações midiáticas, assim como os emaranhados institucionais que a envolvem. Dentre outros pontos que apareceram a partir do olhar aqui registrado, destacam-se as transformações que alteraram significativamente o cotidiano da Lapa e a vida das pessoas, nos trazendo percepções que lançam luz a respeito das práticas, usos e contra-usos (Leite, 2010) dos espaços e das ambivalentes significações da ideia de cidade e referenciais sobre o patrimônio urbano elaborados pelo homem comum (Certeau, 2014).
Espera-se, desse modo, que, além de provocar um olhar crítico a respeito das transformações pelo cotidiano do bairro da Lapa, também possamos refletir acerca das dinâmicas urbanas em suas múltiplas sobreposições, contrastes e contradições que se revelam e legitimam nos processos de feitura da cidade e produção dos espaços urbanos contemporâneos.